Imposto único e Simples Nacional: entenda o impacto da reforma tributária no setor de serviços

Imposto único e Simples Nacional: entenda o impacto da reforma tributária no setor de serviços

Texto aprovado pela Câmara dos Deputados prevê alíquota reduzida em 60% para alguns setores

O texto da reforma tributária aprovado pela Câmara dos Deputados, e que agora segue para análise do Senado Federal, apresenta alguns pontos que podem impactar a prestação de serviços.

Especialistas e representantes do setor apontam para a possibilidade do aumento dos impostos e outros efeitos negativos para o segmento, responsável pela maior fatia do Produto Interno Bruto (PIB).

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, já admitiu que há um “pedregulho” a ser resolvido na reforma tributária durante a tramitação no Senado em relação ao setor de serviços e às exceções incluídas no texto.

Entidades da área também reforçam os riscos gerados pela proposta.

Neste mês, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) afirmou que as mudanças feitas no texto “são incapazes de evitar um aumento de até 171% nos impostos pagos pelos setores de serviços e comércio e precisam ser corrigidas pelo Senado”.

IVA Dual

Atualmente, o setor de serviços está submetido a aplicação do PIS/Cofins (impostos federais), mediante a aplicação do regime cumulativo e de alíquota aglutinada de 3,65%.

Também incide no setor a cobrança cumulativa do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) — de origem estadual — com alíquotas entre 2% e 5%.

A reforma tributária propõe a substituição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do PIS/Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Em outra ponta, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) — de origem municipal — e o ISS serão reunidos no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A CBS e o IBS serão elementos de um Imposto sobre o Valor Adicional (IVA) Dual, que terá incidência ampla sobre bens, serviços e direitos, com legislação única e aplicação ampla da não cumulatividade — direito de crédito sobre todas as operações anteriores nas quais incidiu o tributo.

Para o especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e sócio do escritório Ayres Ribeiro Advogados, Gilberto Ayres Moreira, em linhas gerais, a reforma da tributação do consumo é necessária e garante sustentação para o crescimento do país.

“A grande questão é a calibragem das alíquotas, pois uma alíquota excessiva geraria ineficiência econômica mediante aumento dos preços e redução da produção, o que poderia eliminar os ganhos alcançados pela própria criação do IVA Dual“, explica.

O texto da reforma tributária ainda não define uma alíquota para o IVA sobre os serviços.

No entanto, a expectativa de institutos de economia é que as alíquotas bases dos novos tributos somados seriam entre 25% e 28% para não haver redução na arrecadação.

Nesse sentido, esse nível implicaria em mais que quadruplicar a incidência tributária sobre o setor.

Na visão da economista e professora de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carla Beni, a simplificação do imposto é um ponto fundamental da reforma.

Essa medida visa facilitar e poupar tempo que as empresas gastam para cumprir exigências fiscais, afirma a especialista, o que também diminui a parte de sonegação e facilita os processos.

“Quando se pensa em produtividade, em melhora e atração de novos investimentos, o país está atrasadíssimo. Essa reforma encaixa o Brasil no mesmo padrão do cenário internacional, são mais de 157 países que trabalham com esse modelo de imposto de valor agregado”, explica.

Não cumulatividade plena

Na teoria, o aumento da alíquota seria compensada pela previsão de não cumulatividade plena, que não se observa nos tributos atualmente incidentes sobre o consumo (PIS/Cofins, ICMS, ISS e IPI).

Nesse sentido, as empresas que prestam serviços para outras companhias, ou seja, as empresas que estão no meio da cadeia de produção, darão crédito integral.

“Esse é um ponto muito importante porque essas empresas têm uma tributação mais baixa, elas pagam Cofins, PIS e, em muitos casos, até o ISS, só que não têm a recuperação e não conseguem transferir crédito”, explica a economista.

“Com a reforma, essas companhias vão poder recuperar o crédito e, principalmente, transferir o crédito integral para quem contratou, o que vai ter uma relação melhor no custo líquido”, explica a economista”, completa.

Por outro lado, a sócia da área de direito tributário da BMA advogados, Luiza Lacerda, explica que o setor adquire poucos bens e serviços que gerariam créditos dos tributos.

“O custo mais significativo do setor de serviços costuma ser a mão-de-obra própria, e a folha de pagamentos não gera direito a créditos a serem descontos dos tributos a pagar”, diz a advogada.

“Com isso, a alta alíquota significará um aumento muito grande, sem compensação relevante quanto a não cumulatividade”.

Já para os serviços oferecidos diretamente ao consumidor, Moreira, do IBET, explica que a questão é diferente.

“O consumidor é aquele que ao final arcará com o custo fiscal do IVA Dual e a incidência quadruplicada do imposto sobre o consumo em suas aquisições poderá aumentar proibitivamente o preço dos serviços”, diz o especialista.

Simples Nacional

Apesar de todas essas mudanças, o Simples Nacional será preservado, e boa parte dos prestadores de serviços estará submetido à cobrança de um tributo único cumulativo e com menor carga.

Levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) mostra que 92% dos CNPJs brasileiros estão nesta modalidade.

O Simples abrange todos os tributos substituídos na reforma (PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS).

A modalidade se caracteriza pelo pagamento simplificado dos impostos por meio de uma única guia (DAS) e pela possibilidade de redução da carga tributária.

Setores com alíquota reduzida

O texto da reforma tributária aprovada pelos deputados prevê alíquota reduzida do IVA em 60% para alguns bens e serviços da economia.

Esses bens e serviços “privilegiados” vão pagar 40% da alíquota “cheia” do IVA.

Em um cenário hipotético, caso o IVA seja de 25%, esses setores pagariam 10%.

Veja a seguir os setores que terão alíquota reduzida:

  • Serviços de educação;
  • Serviços de saúde;
  • Dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência;
  • Medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
  • Serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual;
  • Produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;
  • Insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal;
  • Produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais.

Mas, afinal, a reforma tributária pode encarecer os serviços no geral?

Na avaliação de Moreira, a introdução do IVA Dual com a aplicação de alíquotas razoáveis traria benefícios a econômica.

Para ele, um crescimento na demanda e no consumo poderia até mesmo compensar as perdas iniciais com a reforma tributária.

“Entretanto, sabemos que as restrições orçamentárias dos entes federados e a escolha história do Brasil por um Estado aparelhado não permitem a criação de um IVA Dual razoável”, afirma.

“Desta forma, e uma vez mantida a aplicação da mesma regra a todos os setores, verificaríamos um duro golpe no setor de serviços, especialmente quanto a atividades econômicas que envolvam a contratação de grande massa trabalhadores”, completa, já que a mão de obra não gera crédito de IVA Dual.

Com isso, segundo Moreira, o texto atual da reforma tributária, sem as emendas sugeridas pelo setor de serviços ou sem correspondente contrapartida do Estado para fazer frente aos pontos negativos, poderá, sim, encarecer os serviços em geral.

“É importante destacar que a irrazoável fixação das alíquotas do IVA Dual poderia encarecer os serviços e a reforma tributária teria como efeito a redução na oferta de serviços e a redução do consumo”, diz o especialista.

Já na análise de Beni, da FGV, a reforma vai promover o aumento e o crescimento da economia, do PIB, da geração de emprego e renda.

Nessa lógica, todo incremento de emprego e renda produz mais serviços através da criação da demanda e intensificação da já existente.

“Por mais que a alíquota possa subir mais no setor de serviços, ela tem que estar contemplada nessa analise, ou seja, a reforma tributária beneficia o setor de serviços, principalmente pelo próprio crescimento da economia, emprego e renda”, afirma.

A advogada Luiza Lacerda ainda destaca que, em geral, embora tenham a carga tributária majorada, serviços adquiridos por outros contribuintes deverão gerar créditos a serem descontados dos tributos devidos pelos consumidores.

“Esse fator deve reduzir o impacto da majoração dos tributos sobre o consumo de serviços na cadeia produtiva”, afirma, completando que no caso dos serviços consumidos por pessoas físicas, com cadeia produtiva reduzida, a majoração deverá ser mais sentida pela população.

“Assim, caso os prestadores não estejam em regimes especiais, como o Simples Nacional (que, a princípio, será mantido), deve haver um aumento no preço praticado aos consumidores finais desses serviços”, diz a especialista.

*Sob supervisão de Gabriel Bosa

Compartilhar