Governo coloca em risco tramitação da reforma tributária ao “adiantar” debate sobre IR, dizem especialistas

Governo coloca em risco tramitação da reforma tributária ao “adiantar” debate sobre IR, dizem especialistas

Medida provisória publicada no domingo (30) estabelece mudanças na faixa de isenção do IR e taxação de investimento feitos no exterior

O governo publicou no domingo (30) uma medida provisória (MP) que estabelece mudanças na cobrança de imposto de renda. Anteriormente, a gestão afirmou que a reforma dos tributos sobre consumo seria o foco para o primeiro semestre e que a discussão sobre o IR ficaria para o segundo.

Especialistas consultados pela CNN acreditam que adiantar a discussão sobre o IR pode dificultar a tramitação da reforma tributária — que neste momento tem como centro os tributos sobre consumo e criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Sócio do VBD Advogados, Leonardo Freitas de Moraes e Castro indica que, ao publicar a MP, o governo divide sua atenção e poder de articulação entre duas frentes — consumo e renda —, o que pode colocar em risco a tramitação da reforma do IVA.

“O governo escolheu fazer a reforma da tributação do consumo primeiro porque essa é mais preocupante, é a mais desigual, é a mais regressiva, tem impacto maior para as pessoas de baixa renda. Se começar a colocar as pautas do imposto de renda à frente, isso confunde e prejudica o debate e o foco na reforma do consumo”, aponta.

A MP do governo, entre outras coisas, taxa os rendimentos realizados no exterior por pessoas que moram no Brasil. O cientista político Bruno Carazza destaca o potencial do tema para despertar a oposição de empresários, executivos e até políticos — e assim trazer mais resistência às pautas do governo.

“O problema é que podem ocorrer reações inesperadas. A gritaria contra a tributação sobre as compras nos sites chineses ilustra como podem surgir obstáculos para essa estratégia do governo [de aumentar a arrecadação via mudanças na cobrança de impostos]”, aponta.

As alterações implementadas no IR devem ser debatidas em breve no Congresso Nacional, já que foram estabelecidas por meio de medida provisória — normas do Executivo que, apesar de ter força de lei, precisa ser aprovados pelo Legislativo em até 120 dias para não perder efeito.

Fatiamento da reforma

Leonardo Freitas de Moraes e Castro explica que a reforma tributária é idealmente divida em três frentes: consumo, renda e folha de pagamento. O segundo aspecto, sobre o qual a MP atua, traz discussões como faixas de isenção, tributação de lucros e dividendos, revisão de incentivos fiscais, etc.

“Do ponto de vista prático, é quase impossível reformar as três frentes simultaneamente, pela complexidade dos termos e porque mudar abruptamente não seria benéfico para a sociedade nem para o governo. Além disso, ao fazer tudo de uma vez, você perde a possibilidade de discutir os temas com a sociedade civil de uma forma correta, com diálogos, estudos e opiniões consideradas. É necessário um tempo para maturar as ideias e ver se ficam de pé”, opina.

O secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, disse no último dia 25, na Câmara dos Deputados, que a reforma do Imposto de Renda deverá ser proposta no segundo semestre / Marcos Oliveira/Agência Senado

Para Hermano Barbosa, da BMA Advogados, a MP tem como objetivo principal o aumento da arrecadação federal. O professor avalia negativamente este quesito, já que — ao seu ver — tais temas “comportariam maior racionalização e simplificação das regras tributárias do país”.

“Vemos aqui alterações pontuais na legislação do imposto de renda, apenas com o objetivo de se arrecadar mais. Seria preferível que essas mesmas alterações tivessem sido divulgadas em conjunto com outras medidas que visassem, igualmente, a simplificação e racionalização de obrigações tributárias, com alívio para a produção de renda e sinalização de menos litigiosidade nas relações entre fisco e contribuintes”, indica.

A MP do governo e o IR

A medida provisória em questão inclui a tributação de rendimentos recebidos no exterior por meio de aplicações financeiras, entidades controladas e bens e direitos objeto de “trust” – fundos usados para administrar quantias de terceiros.

Os ganhos auferidos com estas fontes deverão ser computados nas declarações de IR — separadamente dos demais rendimentos — a partir de 1º de janeiro de 2024. A alíquota será de 15% para rendimentos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil, e 22,5% para aqueles que ultrapassam R$ 50 mil.

O Ministério da Fazenda afirma que as medidas têm potencial de arrecadação de R$ 13,5 bilhões em três anos. A alteração busca compensar os impactos da correção na tabela do imposto de renda (IR). A partir de maio, salários de até R$ 2.640 estarão isentos.

“O governo precisa compensar o reajuste da tabela do IR e também para dar credibilidade ao arcabouço fiscal. Para isso, Haddad está se concentrando em medidas pontuais, para equacionar algumas distorções do sistema tributário brasileiro”, aponta Carazza sobre a medida.

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